Essa é uma pergunta recorrente que me fazem quando ministro encontros
de casais e, muitas vezes, fico em dúvidas se a pessoa que questiona
quer uma resposta para uma dúvida sincera ou apenas para saber
exatamente onde fica o passo anterior ao pecado e andar por ele. Mas
gostaria de levar a pergunta a uma reflexão um pouco mais profunda sobre
a questão da sexualidade em nossos dias.
A sexualidade tem sido muita distorcida na nossa sociedade moderna. A
primeira e grande das distorções à qual somos levados é a idéia de que a
sexualidade é um processo exclusivamente fisiológico. A redução à ideia
fisiológica do sexo como sendo algo que tem por função exclusivamente
gerar um prazer sensorial e orgânico leva ao não relacionamento.
A realidade que se esconde por trás de tal prática é a expressão
máxima do individualismo contemporâneo. O outro serve apenas de estímulo
à minha fantasia pessoal. Trata-se apenas de um objeto que alimenta meu
cérebro – que, diga-se de passagem, é o nosso principal órgão sexual.
Não existe afeto, não existe comprometimento, muito menos conhecimento
do outro, apenas a possibilidade de se dar vazão às fantasias mais
primitivas e animalescas. Segundo Favalli (2006):
Sexo deixou de ser matéria oculta. Com a queda das instâncias sociais
de repressão, as cenas sexuais invadiram o cotidiano de qualquer
pessoa. O culto ao corpo e à sensualidade nos assola por todos os meios
de comunicação. Sexo tornou-se o veículo mercantilista mais oportuno. Os
comportamentos sociais e amorosos alteraram-se e o ato sexual passou ao
primeiro plano das relações, em detrimento dos vínculos pessoais e
afetivos (p.23)
Entendo que o homem foi criado para viver EM RELAÇÃO e que sua vida
ganha sentido somente quando ele desenvolve relacionamentos
significativos com seus semelhantes, reflexos do relacionamento
significativo que ele procura com seu criador. A epístola de João nos
afirma que se alguém diz amar a Deus, mas não amar a seu irmão, na
expressão concreta deste seu amor a Deus, é mentiroso (I João 4: 7-21).
Ao romper seus vínculos relacionais com Deus e com o próximo na tragédia
da Queda, o homem perde tal capacidade relacional e desenvolve o que um
autor moderno (não-cristão) denomina de “o gene egoísta” – substrato
inerente a toda a criatura e que leva o homem a ver o outro como
utilitário para a consecução de seus prazeres pessoais.
O outro passa a ser visto como uma oportunidade de negócio, um
potencial a ser explorado, um utilitário que deve servir a seu
proprietário por um determinado tempo de vida útil e que em seguida deve
ser trocado por um modelo mais eficiente, moderno e se possível menos
custoso. Perde-se a dimensão do outro enquanto pessoa, a dimensão de
vínculos significativos que norteiem os relacionamentos. A sexualidade
então passa a ter essa dimensão quase exclusivamente utilitária.
Os relacionamentos afetivos são limitados ao aspecto glandular. O
Outro é apreciado somente enquanto capacidade de me gerar prazer
fisiológico. O máximo que se espera de um relacionamento é que ele possa
proporcionar bons orgasmos. Lamentavelmente é a este reducionismo
biologicista que chegamos neste início de século e milênio. Afirma
Favalli (2006)
O fato é que o caráter quase automático com que o sexual é praticado
pretende reduzi-lo ao nível estritamente instintivo, biológico… O
verdadeiro gozo sexual transforma-se na sua caricatura: o prazer
desejado deve ser imediato, tão imediato que deixa de ser prazer e se
faz repetição estereotipada de atos sem qualquer significação emocional
(p.23)
Resultante disto a necessidade de discutir o termo ‘relação sexual’.
Já não se trata mais de uma relação onde duas pessoas buscam alcançar um
alto nível de conhecimento um do outro – significado este implícito nas
relações sexuais descritas na Bíblia: (…e conheceu a sua mulher…)
através da entrega incondicional ao outro e do desfrute do
relacionamento em si, como meta-entidade capaz de aproximar ambos da
Imago Dei. Na medida em que se aproximam, se conhecem e se entregam
incondicionalmente, são também capazes de conhecer e verdadeiro sentido
do amor e, por conseguinte o próprio Criador.
Relação sexual, ao contrário, passa a ter o significado, nos dias de
hoje, da exclusiva conjugação carnal ou da excitação mútua que leve a
tal fim, independente se tal ocorra entre conhecidos ou desconhecidos,
se tenham vínculos ou não, se dure minutos ou meses. O termo está mais
determinado pelos hormônios que pelo afeto entre as partes. Embora
reconheça que o próprio termo afeto já perdeu seu significado dentro
desta esfera reducionista do biológico.
Os relacionamentos estão definidos muito mais em um aspecto
comercial, onde cada parte negocia suas vantagens e, sobretudo, no
modelo comercial capitalista neo-liberal, no qual os mais fortes
prevalecem sobre os mais fracos.
Se há cem anos a repressão aparecia para Freud como a arma mais
potente contra as pulsões que promovem a sexualidade e a vida, hoje ela
foi substituída por um arsenal moderno e sorrateiro: o disfarce de uma
hipersexualidade que sufoca a sexualidade verdadeira, transformando-a
num simulacro que engana apenas quem prefere o alívio fugaz da ilusão
(Favalli, 2006, p.23)
Então chegamos ao elemento central da reflexão que são as fantasias
sexuais. Podemos primeiramente nos perguntar de onde elas procedem? E a
resposta primária é de que são criações ‘modernas’ para gerar a sensação
de um maior desfrute do relacionamento íntimo, ou seja, elementos que
os casais (a pessoa) podem adicionar ao seu relacionamento íntimo a fim
de lhes proporcionar um maior desfrute – estas idéias são propagadas
através de distintos veículos de mídia, alguns com um caráter
‘cientifico’.
A pergunta central é: porque um casal precisar recorrer a ‘novas
sensações’? ou buscar sensações que proporcionem um maior bem estar? E a
resposta está óbvia – porque a forma como o relacionamento está
estruturado não proporciona o bem-estar suficiente. Logo se recorre a
algo para enfeitar uma estrutura que já está, per si, comprometida.
Seria como querer enfeitar uma parede torta para ela parecer mais
bonita.
Se um relacionamento íntimo entre um casal não proporciona o
bem-estar desejado, obviamente esta estrutura tem algum comprometimento e
o primeiro passo para se descobrir o que está faltando é o diálogo –
não práticas que desviem a atenção da essência. Um marido ou uma esposa
deve se perguntar: o que eu posso estar fazendo que minha esposa não se
sente segura o suficiente para entregar-se plenamente ao momento de
intimidade e desfrutar de todo o potencial prazeroso que o mesmo tem?
Estou buscando somente meus interesses? Estou preocupado com a pessoa do
outro, seu bem-estar ou só com a minha capacidade de chegar ao orgasmo.
Meu interesse pelo outro vai além do fisiológico?
São questões honestas que cada cônjuge de se fazer e que podem levar a
um nível mais profundo de diálogo que ultrapasse em muito as idéias
midiáticas de sexo em uma piscina de motel ou numa banheira cheia de
champanhe, de posições mirabolantes do Kama Sutra ou pior, as idéias
perversas de elementos que podem ser encontrados em Sex Shops e filmes
pornográficos.
Quando o outro não é mais a PESSOA de meu encantamento, a quem eu
honro e respeito acima de qualquer outra pessoa e passar a ser o OBJETO
ao qual eu uso para atingir meus orgasmos e ter sensações fisiológicas,
então o relacionamento está indicando que se distanciou muito do
propósito de Deus para o casamento e do desfrute da sexualidade.
Certa ocasião um colega psicólogo ‘terapeuta familiar’ conversando
comigo a respeito de motivos para o casamento me perguntou: porque você
casou? E antes que eu pudesse responder ele respondeu por si mesmo: as
pessoas casam para ter sexo! Confesso que fiquei assustado com esta
formulação, especialmente vindo de um profissional cristão. Alguns anos
mais tarde este profissional abandonou a esposa e envolveu-se num
escandaloso affair, justificando que a esposa não lhe dava o que ele
desejava sexualmente. Na verdade ele jamais soube o sentido mais
profundo de um relacionamento interpessoal – apenas usou o outro como
OBJETO para satisfação pessoal, o que, em determinado momento, tornou a
convivência insuportável e abriu o caminho para as fantasias mais
perversas, que se tornaram realidade.
Quando a ternura cede espaço ao outro como OBJETO, a fantasia se
torna necessária, pois com o passar do tempo, o objeto se torna
enfadonho. Assim o limite das fantasias sexuais está diretamente ligado à
capacidade de ver o outro como pessoa e envolvê-lo com a ternura,
própria do relacional.
REFERÊNCIAS:
FAVALLI, Paulo Henrique, Sexualidade Freudiana Cem Anos Depois, Psiquiatria Hoje, 27 (1), 2006, p. 23
FAVALLI, Paulo Henrique, Sexualidade Freudiana Cem Anos Depois, Psiquiatria Hoje, 27 (1), 2006, p. 23
Nenhum comentário:
Postar um comentário