sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Fantasias sexuais – quais são os limites?

Essa é uma pergunta recorrente que me fazem quando ministro encontros de casais e, muitas vezes, fico em dúvidas se a pessoa que questiona quer uma resposta para uma dúvida sincera ou apenas para saber exatamente onde fica o passo anterior ao pecado e andar por ele. Mas gostaria de levar a pergunta a uma reflexão um pouco mais profunda sobre a questão da sexualidade em nossos dias.
A sexualidade tem sido muita distorcida na nossa sociedade moderna. A primeira e grande das distorções à qual somos levados é a idéia de que a sexualidade é um processo exclusivamente fisiológico. A redução à ideia fisiológica do sexo como sendo algo que tem por função exclusivamente gerar um prazer sensorial e orgânico leva ao não relacionamento.
A realidade que se esconde por trás de tal prática é a expressão máxima do individualismo contemporâneo. O outro serve apenas de estímulo à minha fantasia pessoal. Trata-se apenas de um objeto que alimenta meu cérebro – que, diga-se de passagem, é o nosso principal órgão sexual. Não existe afeto, não existe comprometimento, muito menos conhecimento do outro, apenas a possibilidade de se dar vazão às fantasias mais primitivas e animalescas. Segundo Favalli (2006):
Sexo deixou de ser matéria oculta. Com a queda das instâncias sociais de repressão, as cenas sexuais invadiram o cotidiano de qualquer pessoa. O culto ao corpo e à sensualidade nos assola por todos os meios de comunicação. Sexo tornou-se o veículo mercantilista mais oportuno. Os comportamentos sociais e amorosos alteraram-se e o ato sexual passou ao primeiro plano das relações, em detrimento dos vínculos pessoais e afetivos (p.23)
Entendo que o homem foi criado para viver EM RELAÇÃO e que sua vida ganha sentido somente quando ele desenvolve relacionamentos significativos com seus semelhantes, reflexos do relacionamento significativo que ele procura com seu criador. A epístola de João nos afirma que se alguém diz amar a Deus, mas não amar a seu irmão, na expressão concreta deste seu amor a Deus, é mentiroso (I João 4: 7-21). Ao romper seus vínculos relacionais com Deus e com o próximo na tragédia da Queda, o homem perde tal capacidade relacional e desenvolve o que um autor moderno (não-cristão) denomina de “o gene egoísta” – substrato inerente a toda a criatura e que leva o homem a ver o outro como utilitário para a consecução de seus prazeres pessoais.
O outro passa a ser visto como uma oportunidade de negócio, um potencial a ser explorado, um utilitário que deve servir a seu proprietário por um determinado tempo de vida útil e que em seguida deve ser trocado por um modelo mais eficiente, moderno e se possível menos custoso. Perde-se a dimensão do outro enquanto pessoa, a dimensão de vínculos significativos que norteiem os relacionamentos. A sexualidade então passa a ter essa dimensão quase exclusivamente utilitária.
Os relacionamentos afetivos são limitados ao aspecto glandular. O Outro é apreciado somente enquanto capacidade de me gerar prazer fisiológico. O máximo que se espera de um relacionamento é que ele possa proporcionar bons orgasmos. Lamentavelmente é a este reducionismo biologicista que chegamos neste início de século e milênio. Afirma Favalli (2006)
O fato é que o caráter quase automático com que o sexual é praticado pretende reduzi-lo ao nível estritamente instintivo, biológico… O verdadeiro gozo sexual transforma-se na sua caricatura: o prazer desejado deve ser imediato, tão imediato que deixa de ser prazer e se faz repetição estereotipada de atos sem qualquer significação emocional (p.23)
Resultante disto a necessidade de discutir o termo ‘relação sexual’. Já não se trata mais de uma relação onde duas pessoas buscam alcançar um alto nível de conhecimento um do outro – significado este implícito nas relações sexuais descritas na Bíblia: (…e conheceu a sua mulher…) através da entrega incondicional ao outro e do desfrute do relacionamento em si, como meta-entidade capaz de aproximar ambos da Imago Dei. Na medida em que se aproximam, se conhecem e se entregam incondicionalmente, são também capazes de conhecer e verdadeiro sentido do amor e, por conseguinte o próprio Criador.
Relação sexual, ao contrário, passa a ter o significado, nos dias de hoje, da exclusiva conjugação carnal ou da excitação mútua que leve a tal fim, independente se tal ocorra entre conhecidos ou desconhecidos, se tenham vínculos ou não, se dure minutos ou meses. O termo está mais determinado pelos hormônios que pelo afeto entre as partes. Embora reconheça que o próprio termo afeto já perdeu seu significado dentro desta esfera reducionista do biológico.
Os relacionamentos estão definidos muito mais em um aspecto comercial, onde cada parte negocia suas vantagens e, sobretudo, no modelo comercial capitalista neo-liberal, no qual os mais fortes prevalecem sobre os mais fracos.
Se há cem anos a repressão aparecia para Freud como a arma mais potente contra as pulsões que promovem a sexualidade e a vida, hoje ela foi substituída por um arsenal moderno e sorrateiro: o disfarce de uma hipersexualidade que sufoca a sexualidade verdadeira, transformando-a num simulacro que engana apenas quem prefere o alívio fugaz da ilusão (Favalli, 2006, p.23)
Então chegamos ao elemento central da reflexão que são as fantasias sexuais. Podemos primeiramente nos perguntar de onde elas procedem? E a resposta primária é de que são criações ‘modernas’ para gerar a sensação de um maior desfrute do relacionamento íntimo, ou seja, elementos que os casais (a pessoa) podem adicionar ao seu relacionamento íntimo a fim de lhes proporcionar um maior desfrute – estas idéias são propagadas através de distintos veículos de mídia, alguns com um caráter ‘cientifico’.
A pergunta central é: porque um casal precisar recorrer a ‘novas sensações’? ou buscar sensações que proporcionem um maior bem estar? E a resposta está óbvia – porque a forma como o relacionamento está estruturado não proporciona o bem-estar suficiente. Logo se recorre a algo para enfeitar uma estrutura que já está, per si, comprometida. Seria como querer enfeitar uma parede torta para ela parecer mais bonita.
Se um relacionamento íntimo entre um casal não proporciona o bem-estar desejado, obviamente esta estrutura tem algum comprometimento e o primeiro passo para se descobrir o que está faltando é o diálogo – não práticas que desviem a atenção da essência. Um marido ou uma esposa deve se perguntar: o que eu posso estar fazendo que minha esposa não se sente segura o suficiente para entregar-se plenamente ao momento de intimidade e desfrutar de todo o potencial prazeroso que o mesmo tem? Estou buscando somente meus interesses? Estou preocupado com a pessoa do outro, seu bem-estar ou só com a minha capacidade de chegar ao orgasmo. Meu interesse pelo outro vai além do fisiológico?
São questões honestas que cada cônjuge de se fazer e que podem levar a um nível mais profundo de diálogo que ultrapasse em muito as idéias midiáticas de sexo em uma piscina de motel ou numa banheira cheia de champanhe, de posições mirabolantes do Kama Sutra ou pior, as idéias perversas de elementos que podem ser encontrados em Sex Shops e filmes pornográficos.
Quando o outro não é mais a PESSOA de meu encantamento, a quem eu honro e respeito acima de qualquer outra pessoa e passar a ser o OBJETO ao qual eu uso para atingir meus orgasmos e ter sensações fisiológicas, então o relacionamento está indicando que se distanciou muito do propósito de Deus para o casamento e do desfrute da sexualidade.
Certa ocasião um colega psicólogo ‘terapeuta familiar’ conversando comigo a respeito de motivos para o casamento me perguntou: porque você casou? E antes que eu pudesse responder ele respondeu por si mesmo: as pessoas casam para ter sexo! Confesso que fiquei assustado com esta formulação, especialmente vindo de um profissional cristão. Alguns anos mais tarde este profissional abandonou a esposa e envolveu-se num escandaloso affair, justificando que a esposa não lhe dava o que ele desejava sexualmente. Na verdade ele jamais soube o sentido mais profundo de um relacionamento interpessoal – apenas usou o outro como OBJETO para satisfação pessoal, o que, em determinado momento, tornou a convivência insuportável e abriu o caminho para as fantasias mais perversas, que se tornaram realidade.
Quando a ternura cede espaço ao outro como OBJETO, a fantasia se torna necessária, pois com o passar do tempo, o objeto se torna enfadonho. Assim o limite das fantasias sexuais está diretamente ligado à capacidade de ver o outro como pessoa e envolvê-lo com a ternura, própria do relacional.
REFERÊNCIAS:
FAVALLI, Paulo Henrique, Sexualidade Freudiana Cem Anos Depois, Psiquiatria Hoje, 27 (1), 2006, p. 23

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